Holy Spider se baseia no caso de Saeed Hanaei, homem que assassinou 16 mulheres no Irã entre os anos 2000 e 2001. Fanático religioso, Saeed saía de moto durante as madrugadas raptando prostitutas que encontrava pela rua e as estrangulava até morte, usando seus próprios véus. No longa, acompanhamos esta história sob duas perspectivas: a do próprio assassino e a da jornalista Rahimi (Zar Amir Ebrahimi), que quer escrever um artigo sobre os crimes e acaba se envolvendo profundamente nas investigações – e encontrando uma infinidade de empecilhos.
Apesar de seguir uma fórmula bastante hollywoodiana do gênero de investigação (a exemplo de Seven – Os Sete Crimes Capitais ou Zodíaco), Holy Spider subverte expectativas ao apresentar a identidade do assassino logo de cara e nos fazer entrar na vida dele. O principal ponto de tensão aqui é acompanhar o desenrolar da história em suas diversas camadas: distorção dos preceitos religiosos, sexismo, desigualdade social e a negligência declarada do governo são parte da receita para uma aniquilação revoltante de muitas vidas. Holy Spider exige sangue frio do público.
Durante o dia, Saeed é um homem que leva uma vida comum e trabalha como operário. Casado e com dois filhos, é considerado um homem de família exemplar: é um bom pai e um marido dedicado. Às noites, longe do olhar de todos, revela toda a sua monstruosidade: para o assassino, a matança de prostitutas é um chamado divino e ele acredita que Allah o convocou para a missão de “limpar a sociedade de mulheres indignas”. Saeed acredita ser um mártir e isso o torna ainda mais perigoso: convicto de que está fazendo o certo, ele não se importa de entregar a própria vida para cumprir seu propósito. Não existe nada capaz de pará-lo.
À medida em que o filme nos mostra o modus operandi de Saeed e a forma como ele aborda primeiramente suas vítimas, vai ficando clara também a relação doentia que ele tem com essas mulheres e o eterno conflito em que se encontra. É possível entender que os crimes são motivados não só pela crença divina, mas por questões profundas e horrivelmente masculinas. Saeed precisa frear os próprios “pensamentos impuros” e há algo de vingança contra aquelas pessoas que não o fazem. E tudo isso vai surgindo de forma muito detalhada.
Incapaz de satisfazer as próprias vontades porque se sente freado socialmente e religiosamente, o homem entra em uma batalha que diz muito sobre a própria frustração, tentação e desejos não realizados. Saeed, inclusive, representa uma parte imensa da sociedade que se apoia em artifícios – morais, religiosos, sociais – como meio de extravasar os próprios preconceitos. O assassino, como o filme nos mostra, não é uma existência isolada, mas incentivada e protegida por uma rede gigante.
A jornalista Rahimi conclui logo nos primeiros momentos do filme que descobrir os detalhes sobre o caso de Saeed será muito mais complexo do que ela imaginava, porque precisará atravessar uma diversidade de obstáculos.
A relação entre Rahimi e as autoridades locais também é um ponto de muita tensão: a jornalista precisa lutar contra um sistema implacável que coloca todo tipo de peso sobre os ombros dela. Mais do que isso (e mais revoltante), que faz vista grossa aos acontecimentos. À medida em que a situação se desenrola, Rahimi entra também nas profundezas de um sistema cheio de erros e que a desfavorece em tudo.
A história de Saeed revela aspectos feios da sociedade tão sólidos que se torna um pouco desesperadora e desesperançosa em alguns momentos. Há uma inversão de prioridades no que diz respeito a todo o processo de julgamento do assassino, cujo crime de fato, não está entre os primeiros. Toda a parte judicial do filme é angustiante e traz boas reviravoltas para a história.
A protagonista sabe que não está segura em lugar algum e que existem muitas informações que estão sendo escondidas dela. Essa sensação de insegurança e desconfiança é transmitida diretamente para o público, o que torna Holy Spider uma história difícil de tirar os olhos.
Por: Aline Pereira em AdoroCinema
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