Um jovem advogado do interior da Flórida começa cada vez mais a ganhar reconhecimento por nunca perder um caso, e é convidado para trabalhar para o maior escritório de Nova York – parece um sonho, correto? É com esse enredo de conquista que “O Advogado do Diabo” nossa indicação cultural de hoje, traz uma reflexão feita muito bem sobre os elementos da vaidade no sistema de justiça, justamente a partir da nossa profissão.
Kevin Lomax, o advogado iniciante, interpretado por um jovem e vigoroso Keanu Reeves, é selecionado por John Milton, um já consagrado Al Pacino que encarna perfeitamente na pele do sócio do “maior escritório de advocacia de Nova York”, um full service que precisava de um novo astro na advocacia criminal para defender um grande cliente de um assassinato triplo.
Para além das reflexões entre bem e mal a partir de referências bíblicas e mitológicas trazidas com cuidado em cada esquina das locações da Manhattan do final dos anos 90, com camadas sutis a referências artísticas – o próprio nome do personagem de Pacino ser do autor de Paraíso Perdido – , a trama mergulha fundo num estereótipo do advogado estadunidense que traz sentimentos controversos aos público: ao mesmo tempo que “julgados” por defender o idefensável por quantias vultosas de dinheiro, ostentadas em um estilo de vida excêntrico e luxuoso, quem não gostaria de ser defendido pelo “melhor advogado”?
O tema da vaidade em O Advogado do Diabo é destacado como o “pecado predileto” daquele que depois é descoberto como o diabo, porém, a figura do “advogado do diabo” como uma forma discursiva de abordagem estratégica em nossa profissão, ou mesmo ser compreendida como um personagem próprio de advogados criminalistas, nos traz uma outra impressão, agora não bíblica ou mitológica, mas sociológica: afinal de contas, por quê nossa profissão, em especial na área criminal, traz consigo esse julgamento externo?
Pierre Bourdieu em “Força do Direito – por uma sociológica do campo jurídico”, explorou paralelismos entre a cultura legal francesa e estadunidense, assim como alguns dos grandes debates de nosso campo, mas foi em “Juristas, guardiões da hipocrisia coletiva”, que talvez tenha chegado próximo da resposta para tal questão: a hipocrisia coletiva é justamente o fato de que todos são altruístas ou coletivistas, até que o seu interesse seja colocado à prova.
Antes de um reducionismo óbvio, ou do elogio a um individualismo niilista, a complexidade dessa proposição se dá no fato de que é depositado no advogado a esperança mais racional da defesa de um interesse privado, que busca, nos limites da interpretação da lei, sua melhor manifestação – e quando esse interesse é a preservação da liberdade de alguém que é tocado pelo sistema penal na figura do Réu, obviamente a comoção moral é a que fala mais alto.
Mas, quando se senta na cadeira que queima, o que fala mais alto, nosso senso de sobrevivência ou uma construção abstrata da Moral? Esse também é um debate filosófico, muito bem enfrentado por Richard Rorty, mas que para terminar nosso FHC CULTURA edição Dia do Advogado Criminalista, podemos falar: advogada ou advogado criminalista, saiba que esse é um dos seus papeis – ser a única esperança de quem deposita em ti seus interesses.
Por: Fernando Henrique Cardoso Neves
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