Lucas finalmente parece ter encontrado alguma paz e estabilidade após seu divórcio. Torna-se professor na creche local, conhece uma nova pessoa e está feliz pela chegada do Natal e a visita de seu filho. Tudo muda, porém, com uma denúncia, de abuso sexual, feita por uma criança, filha de seu melhor amigo e sua aluna.
Esse é o enredo de “A Caça”, filme produzido por Thomas Vinterberg, que retrata de forma visceral os efeitos nocivos da ativação da Sensibilidade Punitiva a partir de uma denúncia, sequer confirmada, de pedofilia. Os papeis de “caça” e “caçador” são construídos no longa e vivificados por uma excelente atuação de Mads Mikkelsen, que inicia o longa redescobrindo o sorriso e passa pelo mesmo dando conta de um contínuo e agudo sofrimento que aflige a partir de todas suas relações.
Para além da dicotomia entre caça e caçador, é muito interessante o paralelismo com a lógica da vingança do sistema penal que encontra no acusado e não na vítima o seu foco, trazendo para o espectador a perspectiva da presa, observada pelo jogo de câmeras em relação a Lucas. Outro paralelo muito bem feito na trama é de como as relações de proximidade, como as familiares e as de amizade, assim como as comunitárias – o filme se passa numa pequena vila dinamarquesa – tem completamente seus laços de confiança conspurcados por uma acusação de uma criança de três anos e tida como verdade desde o início.
O ponto principal do filme não é a flexibilização de veracidade da palavra de vítimas, em especial de crimes sexuais contra crianças, mas se utiliza de uma realidade que muitos preferem não prestar a atenção, de que este tipo de crime ocorre em relações de proximidade e de que não goza de nenhum tipo de defesa plausível para trazer a questão da Caça e do Caçador de forma ainda mais intensa.
“A Caça”, de Thomas Vinterberg, está disponível no Netflix e é um ótimo filme para se pensar o efeito subjetivo dos dispositivos de controle e punição, a ativação da Sensibilidade Punitiva e os efeitos nefastos da sociabilidade causada pelo sistema penal, de uma forma muito lúdica e fática.
Por: Fernando Henrique Cardoso Neves
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